LIVRO – O CASO DOS EXPLORADORES DE CAVERNA – LON L. FULLER.
LIVRO – O CASO DOS EXPLORADORES DE CAVERNA – LON L. FULLER.
O exemplar se refere a uma obra fictícia que tem como escopo o julgamento de espeleólogos (especialista em espeleologia ou no estudo de cavidades naturais como cavernas e grutas) que em exploração numa caverna, se veem isolados do mundo em virtude de uma queda de pedras que barra a saída. O contato com o mundo exterior era feito apenas por um comunicador e em virtude da alta dificuldade do resgate e da queda dos suprimentos que haviam levado, foram obrigados a criar normas “internas” e estabeleceram que um deles seria sacrificado para que outros se alimentassem de carne humana.
Após o sorteio foi feito o ato, mas dias depois foram resgatados e julgados culpados pelo tribunal do júri, em grau de recurso, vários juízes se manifestam, sendo o grande momento da obra de Fuller, pois os magistrados navegam pelas várias correntes jusfilosóficas, tais como o positivismo, jusnaturalismo, entre outros. Livro é instigante, usado em quase todos os cursos jurídicos espalhados pelo mundo, em virtude da bela abordagem sobre o fato e seu julgamento.
A narrativa do julgamento do caso perante ao poder judiciário junto a Suprema Corte de Newgarth, ano 4300 é composta pelo Juiz Presidente Truepenny,C.J., Foter, J., Tatting, J., Keen,J. e Handy, J., no universo criado pelo autor, esse revela um estudo sobre a Filosofia do Direito, com um ambiente hermético (perfeitamente, totalmente fechado) para os atores principais, os espeleólogos, para criação de normas diante da adversidade de um resgate atemporal.
A ficção apresentada pelo autor é uma forma de conhecer as principais linhas e correntes de pensamento. É uma grande alegoria em que se consegue observar dois momentos claros: a primeira parte, referente ao fato, e a segunda parte, referente ao julgamento do fato, com uma grande navegação pelas escolas de pensamento da jusfilosofia, por meio dos juízes que julgavam o caso, tanto na esfera no primeiro grau, bem como o magistrado do grau de recurso. Conta-se que Fuller teve sua inspiração em casos de naufrágio que também foram seguidos de eliminação da vida humana em benéfico da sobrevivência da maioria.
No livro, além dos debates sobre a preservação da vida e a forma como podemos criar “normas” sociais, também traz contornos para a análise do debate jurídico, e do papel dos juízes e das leis na sociedade, tendo como ponto central a execução do justo e a equidade, que é aplicação do direito ao caso concreto, muito bem abordado por Aristóteles em sua obra Ética a Nicômano, onde a referência era a régua de Lesbos – uma espécie de trena que se adaptava aos contornos das pedras retiradas de uma pedreira que seriam usadas para construção, a fim de medi-las.
Faz um comparativo na apresentação do exemplar, em que dispõe que, não que estejam fisicamente em uma caverna, mas diante das várias sociedades bloqueadas que vivenciamos, principalmente nos grandes centros do sudeste brasileiro – com uma enormidade de favelas e comunidades de alta vulnerabilidade, em que o domínio de facções criminosas cria “cavernas” novas, com “novas” leis e regras de convivências, formando um verdadeiro hiato social entre a lei posta pelo Estado e sua aplicabilidade.
O fato é que o Poder Judiciário possui a premissa de pacificar a sociedade, estabelecendo a justiça propriamente dita, mas se Fuller estivesse nos morros do Rio de Janeiro, não precisaria reportar-se aos antigos naufrágios, mas sim ao isolamento invisível em que encontram milhares de pessoas.
A ficção ocorrida em 4299, no condado de Stowfield na Whetmore Company, em que o seu proprietário, Roger Whetmore, também espeleólogo juntamente com outros 4 estudiosos da sociedade de espeleologia, partem para a explorar o interior de uma caverna de rocha calcaria. No interior da caverno, blocos de pedra fecharam a entrada impossibilitando que saíssem. Como tardaram a retornar para suas casas, as famílias notificaram a falta e foi montada uma equipe de resgate. Várias foram as dificuldades encontradas pela primeira equipe que chegou ao local, notando que seriam necessários vários equipamentos e pessoal para se efetivar o resgate, além de ser uma operação onerosa.
Ao fazer contato com a equipe de resgate, médicos e outros sobre as possibilidades de sobrevivência diante daquela situação, Whetmore soube que, talvez, o tempo necessário para a libertação ultrapassasse os limites dos suprimentos que eles, os exploradores, haviam levado consigo. A crise se agrava quando os aprisionados ficam sabendo que o resgate será feito em 10 dias e levantam, diante das condições em que se encontram, a possibilidade de utilizar carne humana para sobreviver até o término do resgate. Ninguém externo as eles indicaram parecer favorável, pois estavam em um mundo ordinário e não submetidos ao da realidade dos confinados, que “distante das regras naturais” podiam crias as suas próprias para fins de sobrevivência.
Em razão desses fatos, Whetmore propôs para os companheiros se seria aconselhável que um deles fosse sacrificado para que os outros pudessem sobreviver. Indagando se seria coerente tirar na sorte, nenhum dos médicos, padres, juízes, ou autoridade governamental assumiu a responsabilidade de responder a pergunta. Como a comunicação acabou com o mundo exterior, cresceu entre eles a ideia de uma nova formação de regra de sobrevivência com a possibilidade de se retirar a vida de um deles.
Foi Whetmore, segundo o que foi relatado, o primeiro a propor que um deles ofertasse sua vida para a sobrevivência dos demais. Depois de vários debates, todos concordaram com a situação, sendo que criaram uma espécie de jogo da sorte em que, por final, o próprio autor foi o vitimado. Em momento interessante da obra, após Whetmore ser sorteado, ele se arrepende e deseja ficar vivo mais alguns dias alegando uma possibilidade de resgate, mas todos o contrariam pois estava “quebrando” a própria regra que criou. Então retiraram a sua vida mesmo com a sua discordância.
Retornamos à questão das “lacunas estatais” e às normas que são criadas pelas sociedades em virtude dessa desídia ou até ausência estatal. Assim, Fuller traz muita similaridade com os fatos atuais em nossa sociedade, com a exposição de uma diversidade de correntes sociológicas que exteriorizam nessa obra, inclusive a questão do contrato social “rousseano”:“...cada um condiciona sua liberdade”. Os espeleólogos foram socorridos e levados para tratamento, mas ao serem apresentados às autoridades, foram condenados.
Os espeleólogos foram condenados com base no veredicto do juiz de primeira instancia ou de recepção do processo. Esse veredicto destaca que mais dez pessoas foram ortmas no curso do resgate, sentenciando que os exploradores fossem levados à forca. Os réus recorreram junto ao chefe do Poder Executivo pedindo que a sentença fosse comutada em prisão simples de 6 meses.
Com os votos dos juízes, vimos o ápice da obra com verdadeiras aulas sobre as vertentes que podem ocorrer no direito. O juiz Foster, embora diante de um caso assombroso, com corrente naturalista, entende que os condenados estavam privados das leis que se estabeleciam dentro de Newgarth e resolve inocentá-los. Por outro lado, o juiz Keen, positivista (norma pela norma) segue afirmando que cometeram homicídio e devem responder a este ato. Já o juiz Tatting posicionou-se de forma híbrida, levando em conta o aspecto emocional e a aplicação da lei, e criticou o voto do juiz Foster e suas posições do direito natural.
Tatting questiona em qual momento os réus entraram em seu “estado natural”: no momento da entrada da caverna, no instante do acidente, no momento do perigo ou na última tentativa de sobrevivência. Soma em suas dúvidas como aplicar a lei vigente, diante de tantas controvérsias. Várias hipóteses foram levantadas: a de “compensação” de mortes - afinal morreram dez operários para salvar quatro pessoas -; se Whetmore era homicida; se houve a excludente da legítima defesa no momento que ele se recusou a cumprir a norma por ele criada; e até hipóteses religiosas sobre o caso.
Vê que julgam a clemencia do Poder Executivo em não condenar os réus, ou seja, o autor criou um sistema jurídico próprio para este ambiente fictício, trazendo os vários atores estatais para sua responsabilidade diante de um caso de homicídio e canibalismo. Evidente são os exemplos de aplicação da lei diante desse caso para os demais casos, e que a correção de erros ou equívocos legislativos não suplanta a vontade do poder legislativo em torná-las mais efetivas.
Deram seus votos os juízes HandJ. Keen Trupenny, Foster e Tatting. O juiz Keen apresentou em seu voto a incompetência daquele tribunal, dissertando sobre o sofrimento já impingido a todos, mas condenou os réus, pois a lei deveria ser cumprida. E debateu com o juiz Tatting, que julgou muito severas as suas conclusões, pois entendia que uma lei deveria ser aplicada segundo os propósitos. Imputar responsabilidade criminal a uma pessoa “livre” é simples, mas diante das circunstâncias, era difícil julgar conforme a lei. Já o juiz Foster tentou encontrar hiatos na lei para que aqueles réus não pudessem ficar sem punição.
Handy J. ressaltou a publicidade do ato e que isso afetaria a opinião pública e a importância dessa opinião no momento da formação da decisão, dizendo que os acusados deveriam ser perdoados ou deixados em liberdade, com uma espécie de pena simbólica, mas que a forma não constituísse nem defesa nem acusação. Continuou o seu voto expressando a contrariedade sobre o caso, com abstenção do Ministério Público, e de grande divergência de votos, ficando nítida para a população a divergência de pensamento dentro da própria corte.
Os exploradores sobreviventes foram julgados e condenados à morte pela forca, pelo assassinato de Whetmore. Os réus recorreram da decisão. Quatro juízes estavam no caso: dois votaram a favor dos réus (Fortes e Handy), um juiz condenou (Keen), e o outro juiz recusou-se a participar (Tatting). E com o voto do presidente do tribunal da primeira instância, deu-se empate nas votações. Assim foram condenados à morte marcada para o dia 2 de abril de 4300, às 6horas da manhã de sexta-feira. Revelando ser o livro uma verdadeira aula sobre o ser humano, suas fraquezas, sua expressividade de pensamento, sobre aplicação de leis, enfim, sobre o direito.
Como base no que acima consta alinhavado, temos os votos dos juízes, iniciando pelo magistrado Truepenny, C. J. (Presidente do Tribunal), nos seguintes termos:
1 – Truepenny, C. J. (Presidente do Tribunal). Voto: extinção da execução penal. Fundamentos: dispõe pela ausência de elementos na norma que possam excluir a culpabilidade dos acusados. No entanto, dada a fatos excepcional em que se encontraram esses réus e o clamor popular dado ao caso, a mais apropriada a situação é a clemência executiva, ou seja, o perdão da pena por parte do Poder Executivo. Argumenta ainda que em uma ocorrência como essa o juiz Truepenny, propõe aos seus colegas que sigamos o exemplo do júri e do juiz de primeira instancia e endossemos as petições que enviaram ao chefe do Poder Executivo.
2 – Foster, J (Juiz). Voto: absolvição e não configuração de crime. Fundamentos: A ocorrência na caverna, o risco de morte em que se experimentaram os exploradores, se confirmou como uma situação de exceção da vigência da norma. A legislação é incapaz de supor toda a emaranhado das relações pessoais. Quando a norma é aplicada de maneira abstrata e rígida, essa pode criar injustiças e decisões esdruxulas, as quais convergem frontalmente com os princípios básicos do direito. Desenvolve um argumento baseado na analogia (caso semelhante, mas não previsto na norma). Por não existir em Newgarth exceções a norma penal, ele traz ao caso o princípio da legítima defesa. Ao final, conclui, portanto, que, em qualquer aspecto sob o qual esse caso possa ser considerado, estes réus são inocentes do crime de homicídio contra Roger Whetmore e que a sentença seja reformada.
3 – Tatting, J. Voto: se omite de decidir por aspectos morais. Argumentos: Impossível indicar o instante da ruptura com a normalidade da norma. A admissão da hipótese de um Estado de Natureza colocaria em xeque todo a ordem jurídica. Desmantela a argumentação da legítima defesa: se houve uma quebra do estado de direito, um elemento legal não pode ser requerido como elemento para a defesa dos réus. Em trechos final, dispõe que, como não há capacidade de resolver as dúvidas que me assediam sobre a aplicação da lei, lamento sobremaneira anunciar uma medida que, em minha opinião, não tem precedentes na história deste tribunal: declaro retirar minha participação da decisão deste caso.
4 – Keen, J. Voto: conde os réus com base na norma. Argumento: procede um contraponto a fundamentação do Juiz Foster asseverando que não há lacuna na legislação no caso em tela, o que por sua vez, excluiria a possibilidade de aplicar a analogia (incluir o princípio da legitima defesa). Ressalta a idéia de que os motivos de Foster fora levando em conta questões pessoais e morais e destacam a máxima de que o papel do Direito é julgar com base na lei. Assevera que o termo intencionalidade tem uma análise específica na lei de Newgarth. No caso em que ela se aplica, é necessária uma reação espontânea e impossível de ser evitada. De maneira diversa, os exploradores possuíam consciência do ato que estavam perpetuando. Concluo, assim, que a sentença condenatória deve ser confirmada.
5 – Handy, J. Voto: declara os acusados como inocentes. Argumento: destaca a tese de que o Direito deve se espelhar nos usos e costumes da sociedade, que deve haver uma correspondência nas expectativas morais e éticas das nações com as decisões e o papel exercido pelo judiciário. Fundamenta seu voto solidificando esse na figura do Júri, destacando que a própria lei penal prevê a possibilidade do julgamento pelos seus próprios pares. Se o tribunal do júri fosse mantido de forma especial e não contasse com um profissional da área do Direito, provável que ele (o júri) julgaria por absolvição dos exploradores.
Dessa feita, com a ocorrência do empate de votos, a decisão (1ª instância) foi mantida e os exploradores foram executados. Nesse prisma a obra jurídica de ficção se baseia nessas questões que aqui destacamos. Assim o caso dos exploradores de cavernas é um início à argumentação jurídica que traz o debate sobre a manutenção da vida e da forma como podemos criar “normas” sociais e, também, apresenta contornos para a análise do debate jurídico, do papel dos juízes e das normas na sociedade. Afinal o manuscrito revela como ponto central a execução do justo e da equidade, que é a aplicação do direito ao caso concreto. Portanto a leitura do livro é recomendada, não só aqueles da área do direito, mas sim todos os públicos, pois haverá um aumento de percepção do leitor e paradigmas serão descontruídos com a experiencia engrandecedora que é essa obra.
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Ferreira Avelar Advocacia (Iporá-GO. Israelândia-GO). Consultoria e Assessoria Jurídica!
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Livro – O Caso dos Exploradores de Caverna – Lon L. Fuller.
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